sábado, 18 de novembro de 2017

UM POEMA DE PAULO DA COSTA DOMINGOS

Bem sabes, já fui preto e jangadeiro e lançado
às águas do teu canal, e tu, branca, lívida, mal
parecias tocar-me, embora fosses torrente e sal.
Nunca tive, sequer, uma terra prometida.

Amigos, tinha. Dos risonhos, verdadeiros
diabos. Pretos, eles também; ¿lembras-te?...
Senhores dos atributos da peste: «outros», dizia-se,
capazes de envergar vestes de zinco, ostracizados.

À fé de quem fui, juro!, drogas não sei se tomavam:
minto; em dois mil novecentos e noventa e nove só se ouvia
o rolar triunfal de garrafas debaixo das camas ou no polígono

do corredor. A cidade está a mudar, até a nossa cor.
¿Alguma vez, alguma vez te perguntei, na escuridão,
no apaziguamento, pelas tuas próprias cinzas?


Paulo da Costa Domingos, in Sumo de Limão, Frenesi, Setembro de 2017, p.12.

Sem comentários: